O lado Escondido do Burnout

Escrevi este artigo a pensar em quem quer atingir o melhor nível de performance, em empreendedores que querem cumprir a sua missão e empresários que querem melhorar os resultados das suas equipas. Apesar de poder ajudar toda a gente que o ler, este é o grupo de pessoas que tirará mais partido.

Porquê? Porque são os que mais sofrem com o burnout e que por isso têm de conhecer como o seu lado escondido pode ser a chave para tratá-lo, preveni-lo e aumentar a sua performance global.

Os números do burnout são impressionantes, de qualquer prisma que olhemos. Em 2016, o World Economic Forum estimou que o burnout custava à economia mundial 322 mil milhões de dólares à economia mundial. Se considerarmos de forma mais alargada o impacto do stress profissional (que também está na génese do burnout), falamos de 500 mil milhões de dólares e 550 milhões de dias de trabalho perdidos por ano, segundo a American Psychology Association (APA).

Isto antes da pandemia. Agora, neste momento e segundo o mesmo estudo da APA, há um aumento de 38% dos sintomas associados a este estado de exaustão. O impacto destes dados é realmente impressionante e global:

  • Segundo a consultora Gallup, quase 75% dos trabalhadores referem sintomas de burnout, ainda que de forma não permanente. Isto significa que apenas um quarto das pessoas se sentem com as suas capacidades no máximo;

  • A APA diz-nos que os principais os principais sintomas pelos 1500 trabalhadores estudados são diminuição da capacidade cognitiva, exaustão emocional e fadiga física (em 36%, 32% e 44%, respectivamente). Temos de estar de acordo que estas pessoas não conseguem ser a sua melhor versão, tanto pessoal como profissional.

  • Segundo dados partilhados pela Forbes, o burnout é responsável por 20 a 50% do turnover de trabalhadores por ano.

É justo dizer que o burnout está a aumentar, a afectar cada vez mais gente e, provavelmente, a diminuir o crescimento pessoal, profissional e empresarial.

Um passo importante foi dado em 2019 quando a Organização Mundial da Saúde descreveu pela primeira vez o Burnout como um síndrome médico, usando esta definição:

"Burnout é um síndrome resultante de stress profissional crónico a qual o indivíduo não se adaptou correctamente. É caracterizada por três dimensões:

  • Sensação de falta de energia ou exaustão

  • Aumento do distanciamento emocional ou sentimentos de negativismo ou cinismo em relação ao trabalho

  • Eficácia profissional reduzida.

Burnout refere-se especificamente ao fenómeno ocupacional e não deverá ser aplicado a outras áreas da vida"

Assume claramente que a base do síndrome é o nível de stress crónico de stress profissional. Muito tem sido escrito sobre como abordar o burnout, como diminuir o seu impacto. Este artigo do The Economist acaba por ser um resumo da abordagem habitualmente recomendada:

  • Alteração da cultura empresarial para eliminar ou reduzir 6 factores causadores de maior stress (carga de trabalho alta, alienação do decisão, reconhecimento diminuído, dinâmicas tóxicas, falta de justiça e conflito de valores), adoptando os "três C de Maslach": collaboration, customization e commit.

  • Mudança da atitude para com o trabalho, diminuindo o envolvimento negativo e procurando criar relações sociais

  • Criação de rituais que ajudem a tolerar a impacto do stress, melhorando a atenção e a produtividade

  • Descanso.

Este é o lado conhecido do burnout, o mais óbvio e o mais visível, o de ser um problema de saúde mental aliada a questões ocupacionais. Contudo, falha completamente no reconhecimento da existência do outro lado, que parece estar escondido e passar despercebido a toda a gente.

Mas, na verdade e apesar de o adjectivar como "escondido", ele está claramente exposto logo na primeira frase da definição da OMS:

"Burnout é um síndrome resultante de stress profissional crónico a qual o indivíduo não se adaptou correctamente."

Deixe-me traduzir para linguagem mais compreensível: após uma constante resposta a níveis elevados de stress, o sistema foi perdendo a capacidade de reagir e de se adaptar às circunstâncias à medida do que seria necessário para conseguir continuar a funcionar.

Pense neste cenário: precisa do telemóvel no seu dia-a-dia. A sua actividade depende de estar contactável, o que significa que precisa que a bateria dure até ao final do dia. O que fazemos todos os dias para tentar assegurar que isso aconteça? Carregamos a bateria para que, quando o novo dia começa, tenhamos toda a carga ao nosso dispor para usarmos as suas potencialidades máximas.

Entretanto, começa a notar que, quando acorda, a bateria não está a 100%. Apercebe-se que o telemóvel já não recarrega tão bem, tem menos capacidade, dura menos e que rapidamente entra naquele modo de poupança de energia, perdendo performance.

Perante este cenário, surgem duas hipóteses para tentar evitar ficar sem bateria no telemóvel:

  1. mantêm a mesma estratégia de recuperação de energia mas limita a sua utilização para o mínimo possível, esperando que seja suficiente para voltar ao nível de bateria e performance anteriores, ou

  2. otimiza o processo de recarregamento, fornecendo mais carga e acumulando mais bateria para poder utilizar tanto quanto precisa para atingir os melhores resultados.

Qual das duas opções escolhe? Arrisco dizer que a segunda: em vez de aceitar limitar a sua acção porque a bateria não carrega, prejudicando o que consegue fazer durante o seu dia, opta por garantir que dá ao telemóvel todas as ferramentas para que possa funcionar no nível que quer e precisa.

Faz sentido? Espero que sim.

Agora substitua "telemóvel" por "corpo" e consegue ter uma visão muito aproximada do que é o burnout, dos seus dois lados e quais as opções de o melhorar e tratar.

O burnout é um estado no qual os sistemas envolvidos na resposta e adaptação ao stress e de foco / performance foram levados à exaustão por terem sido usados de forma intensa e exigente durante um período prolongado sem que lhes tenha sido dada a possibilidade de recuperarem e recarregarem convenientemente. É o mesmo que  tentar fazer uma chamada num telemóvel sem bateria: por muito que queira e seja urgente, não vai ser possível.

O burnout surge quando deixamos de funcionar. Não por falta de vontade mas simplesmente porque deixou de o conseguir fazer.

Então a solução não é (apenas) alterar os factores que nos rodeiam mas sim recuperarmos e recarregarmos baterias dos vários sistemas, fornecer-lhe todas as ferramentas para que consiga manter os níveis de reacção, adaptação e performance!

Há dois sistemas centrais neste processo:

  • O eixo hipotálamo-hipófise-suprarenal (HPA)

Este é o sistema controlador por excelência das respostas ao stress ao regular a libertação do cortisol, a hormona do stress. Esta libertação é o passo final de um processo controlado por vários intermediários que levam a que a glândula suprarenal produza esta hormona.

É um processo altamente dispendioso do ponto de vista metabólico, desenhado com um único objectivo em mente: sobreviver. A nossa resposta ao stress não está programada para poupar recursos, apenas para nos salvar! Se sobrevivêssemos à perseguição de um leão, então depois teríamos tempo para recuperar.

Nos dias de hoje, em que começamos os dias a receber notificações, temos reuniões importantes ao longo do dia e somos obrigados a tomar decisões permanentemente, o gasto metabólico de ter de responder constantemente a estes picos de stress é muito alto e conduz a uma perda progressiva de "bateria" e de capacidade de resposta.

Segundo este estudo publicado em 2020 feito com elementos de polícia nos EUA, há determinados estados de burnout nos quais a capacidade de produção e libertação de cortisol está prejudicada, apontando para uma incapacidade do sistema de o fazer. Uma das razões apontadas é a redução dos níveis de vitamina C. Para lá do seu efeito imunitário e antioxidante conhecido, esta vitamina é fundamental para a função cerebral e suprarenal, em particular para manter a capacidade de resposta ao stress, como a libertação de catecolaminas e cortisol. Por outro lado, também consegue controlar a produção de cortisol associado ao stress.

Assegurar que há vitamina C suficiente é um dos passos iniciais para manter a bateria carregada e pronta a responder. Esta é só um exemplo de muitíssimos.

  • O sistema nervoso autónomo

Temos dois sistemas nervosos: o sistema nervoso central, controlado conscientemente por nós e que me permite estar a escrever este texto, e o sistema nervoso autónomo, que se mantêm nos bastidores e não só nos preserva como garante a sobrevivência.

Este é dividido em duas secções absolutamente necessárias à nossa sobrevivência

  • O sistema simpático controla as nossas reacções ao stress, responsável por garantir que, quando éramos perseguidos por um tigre-dentes-de-sabre mobilizávamos todos os recursos necessários para fugir e sobreviver.

  • O sistema parassimpático gere o processo de recarregamento e regeneração, permitindo recuperar do impacto que o simpático tem.

A nossa reacção fisiológica ao tigre a perseguir-nos é a mesma a recebermos um email, uma discussão ou um reunião importante: vamos activar os mesmos sistemas de resposta ao stress. Mas, ao invés do que acontecia, agora não temos tempo para recarregar baterias e recuperar o nosso equilíbrio. Vamos de stress em stress, caminhando para um predominância do sistema simpático.

A maioria das pessoas descreve este estado como hipervigilância, incapacidade de relaxar (podendo mesmo ficar pior nas férias) ou sensação de panela a ferver ou de carro a patinar sem conseguir avançar.

O que esta equipa de investigadores concluiu em 2015 não pode ser surpresa:  "Burnout é caracterizado pela desregulação dos sistemas simpático e parasimpático e do eixo HPA".

Concordo que todo o ambiente que existe à nossa volta leva a este desequilíbrio e que é importante melhorar os factores externos, diminuindo assim as respostas de ameaça e de stress. Mas, tendo até consideração que essas mudanças são lentas ou mesmo impossíveis de se fazerem, é potencialmente mais eficaz focarmo-nos no que podemos fazer para os equilibrar, melhorando a nossa saúde, recuperação e performance.

Deixo algumas sugestões:

  • Medir a variabilidade da frequência cardíaca (Heart Rate Variability, HRV). Diz-se que não se consegue melhorar o que não se consegue medir. Logo, faz sentido avaliar como está este equilíbrio. Um dos melhores marcadores é a HRV que eu meço através do Oura Ring. Segundo Harvard, é uma maneira não invasiva de avaliar o desequilíbrio entre os dois sistemas. Uma empresa high-tech de Taiwan tentou perceber se poderia usar a HRV para avaliar a saúde dos seus 6000 trabalhadores e concluiu que "a medição do HRV pode ser aplicado no contexto ocupacional para avaliar burnout. Não só permite que sejam identificados os trabalhadores a necessitar de ajuda médica como também permite prestar esse cuidado de forma atempada, promovendo a sua saúde".

  • Activar o sistema parassimpático recorrendo a técnicas de respiração. Segundo a Universidade de Ottawa, no Canadá, respirações abdominais profundas e lentas reduzem a ansiedade e a activação o sistema nervoso parasimpático, aumentando a sensação de relaxamento. Uma das técnicas de respiração mais conhecidas (usadas inclusivamente pelos US Navy Seals é a chamada box breathing, na qual se inspira durante 4 segundos, sustem-se durante 4 segundos, expira-se durante 4 segundos e sustem-se novamente por 4 segundos, voltando ao início.

  • Assumir "posturas de poder". Mudar a postura influencia a fisiologia e podemos usar esse facto para alterar qual o sistema que está mais predominante. É o que acontece posturas "expansivas" ou power poses (veja aqui ao que me refiro). Num estudo realizado no Japão publicado em 2019 foi demonstrado que estas posturas aumentaram a activação do sistema nervoso parasimpático. Um dos mecanismos possíveis que ajudam a explicar este fenómeno poderá ser a maior sensação de controlo, força e autonomia que vem por assumir estas posturas frequentemente.

Espero que tenha conseguido o impacto do lado escondido do burnout. Não é um problema de saúde emocional, mas sim metabólico.
E enquanto não o encararmos dessa forma, não conseguiremos fazer a diferença.

Estamos ao dispor, contacte-nos:

E. info@cristinasales.pt

T. (+351) 911 082 191


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